A importância dos documentos originais inerrantes
Agora, depois de termos firmado a inerrância dos manuscritos originais das Escrituras como elemento essencial que comprova sua autoridade divina e, portanto, inerrante também, precisamos tratar do problema real do completo desaparecimento dos documentos originais. Nem mesmo os melhores e mais antigos manuscritos que possuímos estão totalmente livres de erros de transmissão. Vez por outra, os números não são bem copiados, os nomes próprios ficam mutilados e também ocorrem os mesmos tipos de falha que aparecem em outros documentos antigos. Nesse sentido — e só nesse sentido — pode-se dizer que até mesmo os melhores documentos manuscritos do A.T hebraico e aramaico e do N.T grego não estão totalmente isentos de erro. Não que contenham erros de fato ou informações imperfeitas que não possam ser retificadas pelo exercício adequado da ciência da crítica textual. Mas, considerando que erros de cópia ocorrem até mesmo nos melhores manuscritos, é tecnicamente verdade que não existem originais isentos desse tipo de erro.
Ora, se não possuímos os manuscritos originais livres de erro, os quais originaram o texto da Bíblia que nos foi transmitido, por que não nos contentarmos com as cópias não totalmente isentas de erros, aceitando o fato indubitável de que Deus não julgou ser a inerrância tão vital para a revelação escrita que ele preservou para nós? Qual a vantagem de discutir a respeito de uma compilação de manuscritos que já não existem? Não seria uma questão puramente acadêmica, do tipo mais obscuro, um assunto que com toda a certeza não deveria causar divisões entre os evangélicos?
Colocar a questão sob esse prisma é o mesmo que distorcer o assunto básico em discussão, de maneira que também nos desviará dele completamente. Já vimos que Cristo considerava os registros documentais — as declarações dos autores do A.T — exatos, dignos de toda a confiança, quer tratassem de teologia, quer de história, quer de ciência. É isso o que na verdade constitui o cerne da questão. O que estamos discutindo é o nível de veracidade, e não a infalibilidade técnica na arte dos escribas. Do copista que inadvertidamente errou na grafia de alguma palavra de João 3.16 não se pode dizer que introduziu algum erro no sentimento ou na mensagem desse versículo sobre a salvação, ainda que possa ter escorregado na ortografia. Quando se versa sobre a inerrância das Escrituras, o que consideramos essencial não é o erro tipográfico, mas algo muito mais importante.
Em resposta a esse desafio, apresentamos as seguintes considerações:
1. A integridade das Escrituras como revelação de Deus plena de autoridade liga-se à inerrância dos manuscritos originais. É impossível que um Deus santo e justo tenha inspirado alguém a tornar-se autor de um livro das Escrituras e que ele escrevesse algo que em qualquer nível esteja repleto de elementos desorientadores ou falsos. Aquele que julga toda a perversidade e engano jamais se inclinaria a favor do uso ou da tolerância da falsidade no registro de sua revelação falada ou de fatos históricos e científicos escolhidos para compor os 66 livros da Bíblia Sagrada. Tampouco se pode conceber que Deus, em sua perfeição, permitiria que algum ser humano a quem usou na redação das Escrituras introduzisse elementos de erro ou de engano simplesmente por causa de sua condição humana.
O soberano Senhor que pôde usar o cajado de Moisés para fazer cair sobre o Egito as dez pragas e para dividir as águas do mar Vermelho certamente utilizou um ser humano falível como profeta a fim de comunicar sua vontade e sua verdade, sem confusão ou engano de espécie alguma. A inerrância da Palavra de Deus escrita como fora originalmente inspirada, é um corolário inevitável da infalibilidade do próprio Deus. Devemos, portanto, considerar a atitude de indiferença para com a inerrância dos manuscritos originais da Bíblia um erro teológico sério.
2. É errado afirmar que a existência de um original perfeito é assunto sem importância, uma vez que tal original já não existe para que o examinemos. Tomemos como analogia o campo da engenharia ou do comércio: faz grande diferença se existe ou não uma medida perfeita para o metro, o quilo ou o litro. É questionável que possamos dizer que o metro, o quilo e o litro, usados nas transações comerciais ou nos projetos de construção, sejam absolutamente perfeitos. Talvez estejam quase totalmente conformes aos pesos e medidas-padrão preservados nos laboratórios oficiais do país, mas, no que diz respeito a esses padrões oficiais internacionais, os que estão em uso entre o povo estão sujeitos a erros, ainda que diminutos.
Todavia, que tolice seria alguém afirmar, dando de ombros: “Nem eu nem você jamais vimos os pesos e medidas de padrão internacional; assim, podemos desconsiderá-los — não precisamos nos preocupar com eles. Portanto, vamos simplesmente nos ajustar aos pesos e medidas imperfeitos de que dispomos e usamos diariamente”. Ao contrário: a existência de tais pesos e medidas – padrão, onde quer que estejam, é vital para o funcionamento adequado de toda a nossa economia. Para os milhões de brasileiros que jamais viram tais padrões de pesos e medidas, eles são absolutamente essenciais para que possam confiar na veracidade dos pesos e medidas dos objetos com os quais lidam diariamente, ao longo de suas vidas.
3. Pode ser verdade que já não possuímos nenhuma cópia perfeita dos manuscritos originais inerrantes da Bíblia. Todavia, é igualmente verdade que hoje dispomos apenas de cópias imperfeitas do Senhor Jesus. Cristo subiu aos céus, ao seu glorioso trono, à direita do Pai. Tudo que nós, observadores, temos para olhar agora são representações e agentes imperfeitos de Cristo, sob a forma de cristãos santificados e dedicados ao Reino. Então, por causa da ausência física de Cristo, vamos afirmar que não precisamos nos preocupar com padrões de amor absoluto e de excelência moral? Não. Em Hebreus 12.2, lemos a ordem para que fixemos os olhos em Jesus (embora ele esteja além de nosso alcance físico e não possamos tocá-lo ou vê-lo), como Autor e Consumador de nossa fé. O Cordeiro imaculado de Deus ainda é o modelo inerrante para nossas atitudes e nosso modo de vida, ainda que não tenhamos o privilégio de contemplá-lo com os olhos da carne, como o tiveram os apóstolos, antes da ascensão. Assim também devemos manter em altíssima conta os originais inerrantes das Sagradas Escrituras, tendo-os como livres de erro de qualquer sorte, ainda que jamais os tenhamos examinado.
4. Caso houvesse alguns erros nos escritos originais da Bíblia, isso não teria grande importância para a crítica textual. Toda a motivação por trás desse exame cuidadoso dos primeiros manuscritos em hebraico e grego ou de suas traduções antigas para outras línguas baseia-se na premissa maior da inerrância original. Que propósito útil haveria em acompanhar com desgastante trabalho o caminho que conduz aos originais, se estes contêm falsidades ou erros? O estudante da Bíblia apenas ficaria mais confuso ou se sentiria prejudicado pelas informações inconfiáveis contidas no que se tem chamado Palavra infalível de Deus. Assim, vemos que a crítica textual, se tem algum valor ou sentido real, pressupõe a existência de um original inteiramente livre de erros e enganos.
Fonte: Enciclopédia de Temas Bíblicos
Respostas às principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da bíblia
Gleason Archer
Editora : Vida – pgs 24-25