A interpretação bíblica – O pós-Reforma

Os 200 anos dos séculos XVII e XVIII caracterizaram-se por vários movimentos e atividades marcantes. Figuram, entre outros, a consolidação e disseminação do calvinismo, as reações ao calvinismo, os estudos textuais e linguísticos e o racionalismo.

A consolidação e a difusão do calvinismo

A Confissão de Westminster, aprovada pelo parlamento inglês em 1647 e pelo parlamento escocês em 1649, apresentou as doutrinas que norteariam o calvinismo na Inglaterra. A postura da Confissão de Westminster em relação às Escrituras foi a seguinte: “A regra infalível de interpretação bíblica está nas próprias Escrituras; portanto, quando houver dúvida sobre o significado verdadeiro e completo de qualquer passagem (que é apenas um, e não muitos), deve ser pesquisado e conhecido em outros trechos que sejam mais claros”. Francisco Turretin (1623-1687) ensinava teologia em Genebra. Como Calvino, pregava que as Escrituras eram fonte infalível e confiável e reforçava a importância de conhecer o texto original. Esses tópicos são tratados em sua obra Institutio Theologicae Elenctiacae. Nesse trabalho, ele discute quatro aspectos principais das Escrituras: sua indispensabilidade, autoridade, perfeição e clareza. Jean-Alphonse Turretin (1648-1737), filho de Francisco Turretin, escreveu De Sacrae Scripturae Interpretandae Methodo Tractatus (1728), onde enfocou os seguintes aspectos relativos à exegese gramatical e histórica:

1. As Escrituras devem ser interpretadas como qualquer outro livro.

2. O intérprete precisa atentar para palavras e expressões nas Escrituras.

3. O objetivo do exegeta é descobrir o propósito do autor no contexto.

4. O intérprete deve utilizar a luz natural da razão (nesse aspecto, ele seguiu o pai, que concordava com Aquino no tocante ao papel da razão), não devendo perceber nas Escrituras nenhuma contradição.

5. As “opiniões dos autores sagrados” precisam ser compreendidas sob o aspecto das épocas em que viveram (ou seja, os cenários cultural e histórico devem ser levados em conta).
Johann Emesti (1707-1781) é “provavelmente o nome mais notável da história da exegese do século XVIII” . Seu trabalho Institutio Interpretis Nove Testamenti [Princípios de Interpretação do Novo Testamento] foi um manual de hermenêutica durante mais de cem ano. Ele acentuou a importância da gramática na compreensão das Escrituras e repudiou a alegorização, a alegorização, ressaltando um tratamento literal da Bíblia

As reações perante o calvinismo

O teólogo holandês Jacobus Arminius (1560-1609) rejeitou uma série de ensinamentos de João Calvino e pregava que o homem possui livre-arbítrio. Em 1610, seus seguidores expuseram suas concepções num tratado de nome Contestação. O misticismo — a concepção de que o homem pode adquirir conhecimentos diretos sobre Deus e ter comunhão com ele por meio de uma experiência subjetiva, à parte das Escrituras — desenvolveu-se no pós-Reforma, sob a influência de Jacob Boehme (1635-1705). Boehme preparou o caminho para o pietismo e sua ênfase na espiritualidade interior. Após o Concílio de Trento, os protestantes puseram-se a delinear suas próprias doutrinas, a fim de defender seus ensinamentos. Assim, o pós-Reforma foi uma época de dogmatismos teológicos, “uma época de caça às heresias e de um rigoroso protestantismo doutrinário”.

O pietismo surgiu como reação ao dogmatismo doutrinário. Philipp Jakob Spener (1635-1705) é considerado o fundador do pietismo do pós-Reforma. Luterano que era, repelia o formalismo morto e a teologia de meras palavras e credos. Em suas obras Pia Desideria [Desejos Piedosos] (1675) e Prieslertum [O Sacerdócio Espiritual], (1677) ele destacou a necessidade de uma vida santa, do sacerdócio de cada cristão e de uma vida de estudo bíblico e oração. August H. Francke (1663-1727) sublinhou a filologia e as implicações práticas das Escrituras na vida. “Francke insistia em que se lesse a Bíblia inteira com frequência; em que os comentários deviam ser usados com prudência, para que não tomassem o lugar do estudo das Escrituras; e em que somente os regenerados podiam entender a Bíblia”.Spener e Francke repeliam o tratamento textual das Escrituras, que, como diziam, só tratava da “camada exterior”.

O pietismo influenciou os morávios, que por sua vez influenciaram John Wesley (1703-1791). Wesley sustentava que o significado da Bíblia é claro e que seu intuito é conduzir o leitor a Cristo. Reagindo ao racionalismo, ele desacreditava do raciocínio humano.

Os estudos textuais e linguísticos

Nos séculos XVII e XVIII, “largos passos foram dados no sentido de descobrir o texto original da Bíblia”. Louis Cappell é considerado o primeiro crítico textual do Antigo Testamento, como se vê em sua obra Critica Sacra, publicada em 1650. Johann A. Bengel (1687-1752) é conhecido como “o pai da crítica textual moderna”. Ele foi o primeiro erudito a identificar famílias ou grupos de manuscritos, com base em características comuns. Em 1734, publicou uma edição crítica do Novo Testamento grego, juntamente com um comentário crítico. Em 1742, escreveu um comentário sobre o Novo Testamento que tratava de versículo por versículo, intitulado Gnomen Novi Testamenti. Nessa obra, salientou os aspectos filológico, espiritual e devocional. Johnann J. Wettstein (1693-1754) corrigiu muitos manuscritos do Novo Testamento e publicou um Novo Testamento grego em dois volumes com um comentário, em 1751.

O racionalismo

Esse movimento sustentava que o intelecto humano sabe discernir o que é verdadeiro e o que é falso. Portanto, a Bíblia está certa se corresponde à razão humana, e o que não corresponde pode ser ignorado ou rejeitado. Thomas Hobbes (1588-1679) foi um filósofo inglês que pregava o racionalismo com tendências políticas. Hobbes interessava-se pela Bíblia como um livro que continha regras e princípios para a república inglesa. O judeu Baruch Spinoza (1632-1677) foi um filósofo holandês que ensinava que a razão humana está desvinculada da teologia. A teologia (revelação) e a filosofia (razão) pertencem a campos distintos. Assim sendo, ele contestava os milagres bíblicos. No entanto, ele determinou várias regras de interpretação das Escrituras, incluindo a necessidade de conhecer o hebraico e o grego e o contexto de cada livro das Escrituras. A razão é o critério absoluto para julgar qualquer interpretação de uma passagem bíblica: “A regra da exegese bíblica só pode ser a luz da razão, para todos” {Tractatus theologico-politicus, 1670). A Bíblia só deve ser estudada em virtude de seu interesse histórico.

Fonte: A interpretação Bíblica – Meios de descobrir a verdade da Bíblia.
Roy B. Zuck
Tradução de Cesar de E A. Bueno Vieira
edições vida nova.
pags 56-60


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