A teologia está relacionada com a religião, assim como a botânica com a vida das plantas. Sem a vida das plantas não poderia haver botânica. Sem os astros, seria impossível a astronomia. De igual maneira, é impossível a existência da teologia sem a religião: aquela é uma conseqüente desta. E, portanto, necessário que tenhamos uma ideia clara da religião, pois dela depende a teologia. Sem o entendimento claro de uma, não se pode compreender bem a outra. Consideremos então a religião.
1.1. Definição.
A religião é a vida do homem nas suas relações sobre humanas, isto é, a vida do homem em relação ao Poder que o criou, à Autoridade Suprema acima dele, e ao Ser invisível com Quem o homem é capaz de ter comunhão.
Religião é vida em Deus; porque este Ser invisível, esta Autoridade Suprema, este Poder com Quem o homem se relaciona, são um em Deus, e conhecê-lo, na genuína expressão do termo, é ter vida eterna.
A religião é sempre a vida do homem como um ser dependente de um poder, responsável para com uma autoridade e adaptável a uma comunhão íntima com uma realidade invisível. Esta definição exclui a ideia que prevalece, de que a religião é um corpo de doutrinas. Quem assim define a religião confunde-a com a teologia, confusão que, se não justifica, não tem razão de ser: religião é vida; teologia é doutrina. E, como já dissemos, a religião precede a teologia.
Funda-se a religião na própria constituição do homem. O ser humano é essencialmente religioso. O salmista revelou bem claramente esta verdade quando escreveu: «Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim brama a minha alma por Ti, ó Deus» (Salmos 42:1).
A prova mais evidente de que o homem é este ser por natureza religioso está em não haver, jamais, alguém encontrado uma tribo, a mais selvagem embora, que fosse totalmente destituída de qualquer culto ou ideia religiosa. A religião. é tão natural no homem como a fome, a sede, a saudade, etc. A história universal não nos fala de um só povo sem religião. Nem ainda os mais atrasados fazem exceção a esta regra; pelo contrário, os povos mais ignorantes, mais falhos em cultura, são, em geral, os mais religiosos. Este fato assaz notável serve para demonstrar e provar que, quando o indivíduo chega a sondar a alma, sempre encontra nela a necessidade de religião, de uma relação com o Ser Supremo — DEUS. Sem dúvida nenhuma, o coração humano é como um altar onde arde perene o fogo sagrado da religião.
O fato de ser a religião natural ao homem tem-na tornado, como já vimos, universal. Causa-nos comoção a lembrança do grande esforço que faziam os homens da antiguidade para se encontrarem com o Deus vivo e verdadeiro. As orações mais tocantes e pungentes, em toda a literatura sagrada, são as que se fizeram ao Deus desconhecido. E ainda mais, há hoje em dia muitas almas famintas e sequiosas da verdade, porque uma relação íntima com o Deus verdadeiro é tão essencial ao bem-estar do homem como a água o é aos peixes e a luz aos olhos. Jesus tornou bem saliente esta verdade quando disse: «Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim nunca terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede» (João 6:35). Na universalidade da religião tem o pregador ampla base para os seus trabalhos e para as suas pregações.
Devemos também considerar que a religião funciona na parte invisível e espiritual do homem, e não na visível e material. Em outras palavras, a religião funciona no coração; Jesus enfatizou este ponto quando disse: «Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade», ou, com o espírito e em verdade (João 4:24).
A religião no homem manifesta-se nos poderes de o mesmo pensar, sentir e querer. E, essencialmente, uma função do coração, reforçado este pela vontade e iluminado pelo raciocínio. Religião é vida, e a vida tem a sua sede no coração, e não nas mãos ou nos pés.
Pelas considerações já estabelecidas, chegamos à conclusão de que a ideia fundamental da religião é a de uma vida em Deus, de uma vida em comunhão íntima e contínua com o Criador, uma vida debaixo da direção e domínio do Espírito Santo, O apóstolo Paulo esclareceu assaz esta verdade, dizendo: «Porque nEle vivemos, e nos movemos, e existimos» (Atos 17:28).
Visto que a religião tem a sua sede na parte invisível e espiritual do homem, logo abrange todos os poderes humanos. Isto é, a religião deve influenciar beneficamente todas as atividades do homem, dirigi-lo em tudo o que ele é e em tudo o que faz. A religião verdadeira envolve a operação unida e coesa de todas as faculdades do homem. A religião consiste mais em ser do que em fazer. Quem é cristão, sempre faz obras cristãs; porém, quem faz obras cristãs nem sempre é cristão.
Pode alguém contradizer-nos, alegando que enfatizamos demasiadamente a parte espiritual do homem, em menosprezo do corpo e de seus atos, em se tratando de religião. Porém, não é assim, O corpo é servo do espírito, e se o espírito for bom e reto, o corpo poderá cumprir satisfatoriamente as suas funções religiosas; mas se, ao contrário, o espírito não for bom e reto, os atos praticados em nome da religião não têm nenhum valor. «Ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada me aproveitaria» (1 Coríntios 13:3).
Tudo o que o corpo faz não é essencialmente religioso, pois a religião é do espírito e não do corpo. Dissertando a este respeito disse o apóstolo Paulo: «Ainda que eu tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada me aproveitaria» (1 Coríntios 13:2).
Qual é, neste caso, o valor que se deve dar aos atos praticados pelo corpo? Nas passagens que acabamos de citar, temos- a resposta: «Quando haja harmonia perfeita entre o espírito reto e os atos exteriorizados pelo seu corpo, então os atos têm valor religioso, mas valor relativo, não intrínseco.»
OS atos religiosos são como a nota promissória, que só tem valor quando assinada e rubricada por pessoa idônea. Além disso, podem comparar-se os atos religiosos ao papel moeda, cujo valor depende de haver, no tesouro, o seu equivalente em ouro. É isto o que o apóstolo Paulo ensinou nos três primeiros versículos do capítulo 13 de sua primeira Carta aos Coríntios. Não havendo amor depositado no coração, nenhum dos nossos atos, até o de entregar o corpo para ser queimado, tem o mínimo valor religioso.
Segue-se, daí, que, como já se disse, os atos do corpo têm apenas valor relativo, e não intrínseco. Todos os seus merecimentos lhe são emprestados do coração. Os atos servem para exprimir a condição do espírito, pelo que o seu valor é apenas declarativo, não intrínseco. O essencial em religião é o estado da alma ou do coração, e todas as nossas ações, como já o dissemos, são os meios pelos quais se revelam as condições do homem interior.
Nunca será demais acentuar esta verdade, devido à sua importância capital para os que desejam cumprir os seus deveres diante de Deus.
Mui grave é o erro em que muitos laboram, de confundir a religião com as suas manifestações, como aconteceu com os fariseus. «E então lhes direi abertamente: Nunca vos conheci: apartai-vos de mim, vós que obrais a iniquidade» (Mateus 7:23). E verdade que a religião envolve culto, sacrifício próprio, oração, e, não raro, se manifesta em obras de beneficência; estas coisas, porém, não formam a essência da religião, pois são apenas manifestações do espírito religioso. A glória da religião não se acha naquilo que podemos fazer e fazemos, senão na realidade de um Deus bondoso e misericordioso e numa comunhão íntima entre Ele e o homem. Reiterando o que já dissemos, a religião é vida em Deus, que se manifesta em obras várias, para beneficio da humanidade e para honra e glória do Criador.
A religião é verdadeira na proporção em que possui e realiza a ideia da personalidade de Deus e das Suas relações com o homem. Os povos em todos os tempos se compenetraram da importância deste princípio, e daí o grande esforço que fizeram por descobrirem a verdadeira ideia da personalidade de Deus e das suas relações com o mundo.
Todas as grandes religiões do mundo, assim as de hoje como as da antiguidade, não são «contos do vigário», antes representam o esforço extraordinário do homem para apossar-se da verdade. Não há nenhuma religião que se apoderasse dum povo fundada simplesmente no embuste, originada dum simples impostor. «Pode enganar-se todo um povo por algum tempo, uma parte do povo por todo o tempo, mas não se pode enganar todo um povo por todo o tempo», disse Lincoin.
Há sempre algo de verdade em todas as religiões, Têm todas elas alguma noção a respeito de Deus e das suas relações com o mundo, se bem que não tenham alcançado a verdadeira idéia da personalidade de Deus e das suas relações com a criação. Neste sentido, todas as religiões são imperfeitas e têm enganado os seus adeptos, ministrando-lhes a verdade de mistura com o erro.
1.2. A verdadeira religião.
O cristianismo arroga-se o título de verdadeira religião, porque ele prega a verdade acerca de Deus, e cultiva e promove as devidas relações deste para com o homem. Nosso intuito através deste curso de teologia sistemática é mostrar que o cristianismo satisfaz às exigências de uma religião verdadeira; e, visto que não pode haver mais do que uma religião verdadeira, segue-se que a única verdadeira é o cristianismo.
A religião é, pois, vida em Deus, vida que se manifesta em todos os nossos atos e em todas as nossas relações.
Fonte Consultada: ESBOÇO DE TEOLOGIA SISTEMÁTICA
Autor: A. B. LANGSTON
pags: 5-7