Por que os evangélicos não comemoram o corpus christi?

Feriado de 19 de junho e a diferença entre a Ceia do Senhor e a transubstanciação

Entenda por que os evangélicos não celebram o feriado de Corpus Christi (19 de junho) e qual a diferença doutrinária em relação à Ceia do Senhor.

Introdução: o feriado de corpus christi e o olhar evangélico

No Brasil, o dia 19 de junho marca o feriado de corpus christi — uma data amplamente celebrada por católicos com missas e procissões. Muitas ruas são decoradas, e há um clima religioso de reverência em várias cidades.

Mas, apesar de ser um feriado nacional e cristão, os evangélicos não o comemoram.

Sim, descansamos como qualquer outro cidadão, mas não celebramos liturgicamente esse dia. Isso porque nossa fé não se baseia na doutrina da transubstanciação. Nós cremos na Ceia do Senhor como um memorial, e não como um ritual onde o pão e o suco se tornam, em essência, o próprio corpo e sangue de Cristo.

📌 Sobre os termos: “evangélicos” e “cristãos protestantes”

Neste artigo usamos o termo “evangélicos” como forma simplificada de nos referirmos ao conjunto mais amplo dos cristãos protestantes — ou seja, os grupos que nasceram a partir da Reforma Protestante do século XVI e que não seguem a doutrina católica romana.

Esse grupo inclui tanto as igrejas históricas, como:

  • Batistas
  • Presbiterianos
  • Metodistas
  • Congregacionais
  • Anglicanos
  • Luteranos

…quanto diversas igrejas chamadas hoje de evangélicas, como as pentecostais e neopentecostais.

Ainda que existam diferenças internas de ênfase e estilo de culto, todas essas igrejas compartilham um ponto essencial: não aceitam a doutrina da transubstanciação e, por isso, não comemoram a festa de Corpus Christi como fazem os católicos.

O que é Corpus Christi? (e por que já nasce de um erro teológico)

O termo Corpus Christi significa “Corpo de Cristo” em latim. A celebração foi instituída em 1264 pelo Papa Urbano IV, com o objetivo de exaltar a doutrina da presença real de Cristo na Eucaristia — ou seja, a crença de que o pão e o vinho se transformam literalmente no corpo e sangue de Jesus durante a missa, por meio de um fenômeno místico chamado transubstanciação.

Aqui já está o cerne do erro teológico.
A Bíblia jamais ensina que os elementos da Ceia mudam de substância. A ideia de que Cristo está “fisicamente presente” no pão e no vinho é uma distorção simbólica transformada em dogma — construída séculos após os apóstolos e sem respaldo nos textos sagrados. A fé cristã verdadeira repousa na Palavra, não em conceitos filosófico-sacramentais posteriores.

Essa doutrina, mesmo sendo central para a fé católica, não encontra base bíblica sólida, e por isso é rejeitada pelas igrejas protestantes.

Para reforçar essa crença equivocada, um dia específico foi criado no calendário litúrgico: a primeira quinta-feira após o domingo da Santíssima Trindade, geralmente 60 dias após a Páscoa.

Durante a festa, a hóstia consagrada — considerada o próprio Jesus — é carregada em procissões pelas ruas, em um ato de adoração pública. Porém, adorar o pão como se fosse Jesus é, sob a ótica protestante e bíblica, uma forma de idolatria, pois transfere à criatura o culto que é devido somente ao Criador.

Por que os evangélicos não comemoram Corpus Christi?

Nossa fé não se baseia na doutrina da transubstanciação. Nós cremos na Ceia do Senhor como um memorial, e não como um ritual onde o pão e o suco se tornam, em essência, o próprio corpo e sangue de Cristo.

Em Lucas 22:19, Jesus institui a Ceia dizendo:

“Fazei isto em memória de mim.”

Não há nada no Novo Testamento que indique uma transformação literal dos elementos. Pelo contrário, o ensino apostólico enfatiza a lembrança consciente da cruz, não a repetição mística de seu sacrifício.

A diferença entre a Ceia do Senhor e a Eucaristia católica (com aprofundamento teológico)

A Ceia do Senhor, ou Santa Ceia, como é celebrada nas igrejas evangélicas, é um memorial instituído por Jesus para recordar seu sacrifício vicário na cruz. É uma ordenança, não um ritual místico. O apóstolo Paulo confirma isso em 1 Coríntios 11:24-26:

“Fazei isto em memória de mim… Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor até que Ele venha.”

Note o tempo verbal: “comerdes este pão” — não algo que deixou de ser pão, nem uma nova encarnação. O ensino bíblico jamais afirma que o pão deixa de ser pão. Trata-se de um símbolo carregado de sentido espiritual, não uma substância milagrosamente alterada.

O erro doutrinário da transubstanciação

A doutrina da transubstanciação, oficializada pelo Concílio de Latrão IV em 1215 e reafirmada no Concílio de Trento (1545–1563), ensina que, durante a consagração na missa, o pão e o vinho deixam de ser o que são e se tornam substancialmente o corpo e sangue de Cristo, mesmo que continuem com aparência e gosto de pão e vinho.

Essa doutrina, porém, apresenta sérios problemas teológicos:

📌 Contraria o testemunho das Escrituras

Nenhum texto bíblico afirma que os elementos mudam de substância. Jesus frequentemente usava linguagem simbólica:

  • “Eu sou a porta” (Jo 10:9)
  • “Eu sou a videira” (Jo 15:1)
  • “Este cálice é o novo testamento no meu sangue” (Lc 22:20)

Jesus estava presente com os discípulos quando instituiu a Ceia — e ainda assim disse “este é o meu corpo”. É incoerente supor que oferecia literalmente seu corpo físico antes mesmo de ser crucificado.

📌 Reintroduz a ideia de sacrifício contínuo

O ensino da transubstanciação sugere que Cristo continua sendo sacrificado em cada missa. Isso contradiz Hebreus 10:10-14, onde lemos:

“Fomos santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez por todas.”

A Bíblia é clara: o sacrifício de Jesus é único, suficiente e completo.

📌 Promove adoração aos elementos (idolatria)

Na tradição católica, a hóstia consagrada é exposta e adorada no “ostensório” durante as procissões de Corpus Christi. Isso é problemático, pois leva à adoração de objetos criados.

“Adorar o pão como se fosse Jesus é adorar a criação no lugar do Criador.”
(Romanos 1:25)

📌 Fere o conceito de fé racional e espiritual

A fé cristã se fundamenta na Palavra de Deus, não em milagres litúrgicos invisíveis. Jesus declarou:

“As palavras que vos disse são espírito e são vida” (Jo 6:63)

A fé verdadeira confia na eficácia do sacrifício de Cristo, não em objetos que supostamente se transformam em carne e sangue.

Símbolo vivo, não carne literal

O pão e o suco de uva usados na Ceia são símbolos vivos que representam o corpo e o sangue de Cristo. Eles não se transformam literalmente, mas nos remetem ao sacrifício perfeito da cruz.

Como ensinou João Calvino, reformador:

“Não há Ceia sem Palavra. O sacramento não é eficaz por si só, mas pela fé com que se recebe a promessa de Deus ali representada.”

Assim, a Ceia é um momento de profunda reverência, mas também de liberdade espiritual e clareza doutrinária. Não adoramos os símbolos — adoramos o Salvador que eles apontam.

O Corpo de Cristo na teologia protestante

Para os evangélicos, o Corpo de Cristo não é apenas representado no pão da Ceia. Ele também é a própria Igreja, composta pelos salvos em Cristo, unidos como membros de um só corpo (1 Coríntios 12:27).

Vivemos o significado do Corpo de Cristo em comunhão, em serviço mútuo, na prática do amor e da verdade. A Ceia é parte disso — um lembrete visual e espiritual da morte de Jesus e da nossa unidade com Ele e uns com os outros.

Conclusão: A Ceia é um memorial, não uma repetição do sacrifício

No dia 19 de junho, enquanto muitos comemoram Corpus Christi pelas ruas, os evangélicos se lembram de que o verdadeiro sacrifício foi feito uma única vez, e é suficiente.

A Ceia do Senhor nos convida a olhar para a cruz com reverência e fé — não para objetos, não para rituais humanos, mas para o Filho de Deus, que morreu e ressuscitou por nós.

“Fazei isto em memória de mim” não é apenas uma frase litúrgica, é um chamado à consciência e à gratidão.