Em Gênesis 2.17, Deus advertiu Adão: “Não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá”. Quando Adão e Eva cederam à tentação e comeram do fruto proibido, é certo que não caíram mortos ao chão no mesmo instante, mas continuaram vivendo, a fim de a repreensão de Deus (3.8-19). Tinha razão o Diabo? Teria Deus deixado de cumprir sua ameaça? É certo que não! A morte do casal culpado naquele dia era de natureza espiritual; a física não sobreveio senão séculos mais tarde (Gn 5.5).
As Escrituras fazem distinção entre três tipos de morte. Primeiramente, existe a, que é a separação entre alma e corpo. O corpo sem a alma passa pela transformação química — ou dissolução — voltando ao “pó da terra” (i.e., aos elementos de que se compõe).
A alma (nepeš) das criaturas subumanas aparentemente cessa de existir (cf. Ec 3.21: “Quem pode dizer se o fôlego [rûaḥ, usada aqui com o sentido de fôlego de vida, metonímia da personalidade imaterial do ser humano ou do animal subumano] do homem sobe às alturas e o ‘fôlego’ do animal desce para a terra?”). No dia em que Adão desobedeceu, foi-lhe imposta a sentença da morte física; pela graça de Deus a execução dessa sentença foi adiada. O povo de Deus no AT estava de todo consciente de que a morte física não significava a aniquilação da pessoa que habitava aquele corpo. Gênesis 25.8 declara que Abraão, depois de sua morte, “foi reunido aos seus antepassados”.
Isso pressupõe a consciência contínua no relacionamento com as pessoas que o precederam na morte. Jó 19.25, 26 cita as palavras do patriarca sofredor: “Eu sei que o meu Redentor vive, e que no fim se levantará sobre a terra. E depois que o meu corpo estiver destruído [lit., “despido”), e [lit., “de”] sem carne, verei a Deus” (cf. 2Sm 12.23; Sl 49.15; 73.24; 84.7; Is 25.8; 26.19; Os 13.14). Já em Daniel 12.2, encontramos uma referência à natureza corporal das pessoas falecidas, como que “dormindo” no pó da terra, de onde se levantarão. No NT, essa mesma ressurreição tanto dos maus quanto dos bons será realizada pelo próprio Cristo, como diz João 5.28, 29: “Não fiquem admirados com isto, pois está chegando a hora em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão; os que fizeram o bem ressuscitarão para a vida, e os que fizeram o mal ressuscitarão para serem condenados”.
A implicação é que todos os seres humanos, após a morte permanecem em estado de sono ou de atividade suspensa no que concerne à natureza do corpo. No NT, referências específicas a esse estado de sono dizem respeito aos crentes, pelo menos nas cartas de Paulo (1Co 11.30; 15.51; 1Ts
4.14; 5.10). Mas sua alma e seu espírito, que antes da ressurreição de Cristo
esperavam naquela parte do Hades, a que Jesus se refere como “junto de Abraão” (Lc 16.22), vão com ele imediatamente após a morte (Fp 1.23).
O segundo tipo de morte ensinado nas Escrituras é a espiritual. Foi esse
aspecto da morte que tomou conta de nossos primeiros pais imediatamente depois de seu pecado.
A alienação deles em relação a Deus se comprovou pela atitude vã de tentar esconder-se do Senhor enquanto ele os procurava para o momento usual de comunhão “quando soprava a brisa do dia” (Gn 3.8). Isso ficou patente, pela atitude de culpa e de medo diante do Criador (3.10), na expulsão do jardim do Éden (em que haviam desfrutado de intimidade cordial na comunhão com Deus), na maldição de sofrimento, de esforço e de dor, tanto para ganhar a vida, cavando o solo, quanto no processo de gestação e de parto, e na morte final do corpo e na volta ao pó de que fora tirado (3.16, 19, 23, 24). A partir desse momento, Adão e Eva caíram em estado de morte espiritual, alienados do Deus vivo por causa da violação de sua aliança.
Como Efésios 2.1-3 bem expressa, tornaram-se “mortos em suas
transgressões e pecados”, caminhando nas trilhas de Satanás, neste mundo ímpio, cumprindo os desejos da carne e do espírito, como filhos desobedientes, filhos da ira. Não só Adão e Eva tornaram-se culpados diante do Criador, caindo, por isso, em estado de injustiça, mas também incorreram na corrupção e na depravação que caracterizam a vida ímpia, destituída de santidade, a da carne decaída (sarx, “natureza carnal”), basicamente alienada de Deus, num estado de inimizade contra o Senhor
(Rm 8.5-8). Daí o fato de a mentalidade (phronēma) da carne (sarx) ser a morte (v. 6) e de todos os que vivem nesse estado não conseguirem agradar ao Criador (v. 8).
Daí decorre estarem alienados da vida de Deus, absolutamente inertes e indefesos, incapazes de salvar a si mesmos e de obter quaisquer méritos ou favores aos olhos divinos. Estão perdidos de vez desde o início de sua vida na terra (Sl 51.5), visto que já nascem como “filhos [ou merecedores] da ira” (Ef 2.3). Esse foi o estado de Adão e de Eva quando cometeram sua primeira transgressão. Foram imediatamente atirados num estado de morte espiritual, do qual não podiam recuperar-se, a despeito dos mais diligentes esforços por viver melhor. No entanto, o registro bíblico prossegue e fala-nos do perdão de Deus e de sua graça redentora.
A esse casal culpado o Senhor concedeu a promessa (Gn 3.15) de que um dos descendentes de Eva um dia haveria de esmagar a cabeça de Satanás, à custa do sofrimento próprio (referência à morte na cruz).
Em vez de infligir de imediato a pena da morte física sobre o primeiro casal,
Deus deu a Adão e a Eva alguns princípios orientadores para a vida após a expulsão do Paraíso — o que com certeza implicava que a morte lhes seria adiada, até que se realizasse algum propósito misericordioso, ainda que o primeiro casal tivesse rejeitado a perfeita comunhão que de início desfrutara com o Senhor.
Deus também lhes forneceu vestes de pele de animais para que cobrissem a nudez e se protegessem do frio e das intempéries. Entretanto, para que recebessem aquelas vestes de pele, foi necessário tirar as vidas dos animais cujas peles passaram a vestir. Talvez fosse parte do ensino a Adão e a Eva sobre o sacrifício de sangue no altar, um meio de eles contemplarem o holocausto da cruz e se apossarem de antemão do mérito da redenção de Cristo, a morte vicária, ou substitutiva, que a “semente da mulher” um dia sofreria no Calvário. Ao reagir em arrependimento e fé (concedidos pelo Espírito Santo), os seres humanos seriam resgatados do estado de morte e levados a um estágio de graça.
Essa fé se deduz da prática sacrificial do filho de Adão, Abel, que apresentou ao Senhor as primícias de seu rebanho como sacrifício cruento no altar em seu culto a Deus. O holocausto pressupõe o conceito de substituição vicária, pela qual o inocente morre em lugar do culpado. O terceiro tipo de morte a que as Escrituras se referem é a eterna, isto é, o estado definitivo, consumado e irremediável de separação em relação a Deus, a verdadeira e única fonte de vida e de alegria. Há referência a essa morte em Apocalipse 20.14 como a “segunda morte”. Ela se caracteriza por sofrimentos incessantes e sem alívio no corpo, por tremenda dor e angústia, correspondendo ao fumo incessante do tormento dos condenados (Ap 14.11).
Diz a Palavra que esse é o estado final da besta (ditador que a si mesmo se deificará nos últimos dias) e de seu cooperador religioso, o falso profeta (Ap 19.20). Os dois serão lançados vivos no “lago de fogo que arde com enxofre”, onde serão atormentados “dia e noite, para todo o sempre”. Em Apocalipse 21.8, lemos que a todo tipo de pecador não-arrependido e, portanto, não-perdoado (“os covardes, os incrédulos, os depravados, os assassinos, os
que cometem imoralidade sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatras e todos os mentirosos”) caberá o destino do lago de fogo e enxofre, que é a segunda morte.
Aqui está, pois, o destino final daqueles que por vontade própria permanecem em estado de morte espiritual até o momento da
morte física. “Quem nele crê não é condenado, mas quem não crê já está condenado, por não crer no nome do Filho Unigênito de Deus” (Jo 3.18). “Quem crê no Filho tem a vida eterna; já quem rejeita o Filho não verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele” (Jo 3.36). No jardim do Éden, a serpente disse a Eva que, se ela e Adão comessem do fruto
proibido, seriam “como Deus” (Gn 3.5).
Fonte: Enciclopédia de Temas Bíblicos
Respostas às principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da bíblia
Gleason Archer
Editora : Vida – pgs: 64-66
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