O vocábulo grego logos pode.ser traduzido por “razão”, “palavra” ou “discurso”. É empregado no prólogo do quarto evangelho como uma designação do Filho, que é a revelação do Pai.15 Muitos comentadores sustentam que essa palavra também é um título descritivo do Filho eterno no prefácio da primeira epístola. Assim, Moffatt translitera a palavra grega para o inglês e cunha a expressão “Logos da Vida”. Certamente se pode traçar um paralelo entre o evangelho e a epístola, embora o prólogo seja consideravelmente mais longo e mais elaborado do que o prefácio. Ambos começam com uma referência ao princípio (vs. 1, 2,; v. 1); ambos falam do Logos em conexão com o Pai e com a vida (vs. 1,4; vs. 1,2); ambos declaram que o Eterno penetrou a história (vs. 1, 2,; v. 1); ambos falam dos Logos em conexão com o Pai e com a vista pelos homens (vs. 14, 18; vs. 1, 2, 3); ambos mencionam o testemunho resultante do que os homens viram (vs. 7, 8, 15; v. 2); ambos falam de Cristo como o Filho do Pai (vs. 14, 18; v. 3); ambos descrevem o resultado da resposta positiva a Cristo em termos de uma nova relação com Deus (vs. 12, 13; v. 3).
Contudo, pode-se exagerar a semelhança entre as duas passagens. A seqüência geral do pensamento é a mesma, e ocorrem ecos verbais, mas Westcott está certo ao dizer que “as duas passagens são complementares e não paralelas”. É preciso mencionar duas diferenças: Em primeiro lugar, no prólogo, “o Verbo” é usado de modo absoluto quatro vezes (três vezes no vers. 1 e uma no 14), ao passo que no prefácio a frase é o “Verbo da vida”. Em segundo lugar, o parêntese que se segue imediatamente ao emprego desta expressão (v. 2) esclarece que, na mente do autor, a ênfase não está em “Verbo” mas em “vida”, pois a palavra logos não é empregada de novo no prefácio, ou, na verdade, na epístola toda, ao passo que “vida” vem repetida duas vezes no versículo 2 e mais cinco vezes no restante da epístola (2:25; 3:14; 5:11; 12,20). É significativo que o que o autor escreve não é “com respeito ao Verbo da vida — e o Verbo se fez carne” mas “com respeito ao Verbo da vida — e a vida se manifestou”. O que ele quer dizer com, “a vida eterna, a qual estava com o Pai”, está claro: é a manifesta personificação do Filho.
Não pode ser outra coisa porque a expressão, “com o Pai” (pros ton Patera) implica em comunhão pessoal. Além disso, tanto o evangelho como a epístola declaram, não só que a vida está em Cristo (Jo 1:4; 1 Jo 5:11, 12), mas que Ele próprio é a Vida (Jo 11:25; 14:6; cf. 5:26; 1 Jo 5:20). É a Vida, diz ele, que estava eternamente em comunhão com o Pai e se nos manifestou historicamente, que nós anunciamos. Agora, o que se afirma resumidamente no versículo 2 como o tema da proclamação, afirma-se mais elaboradamente nos versículos 1 e 3. João está interessado em tornar conhecido o que é eterno (“o que era desde o princípio”) e histórico (“o que temos ouvido… visto… e as nossas mãos apalparam”) com respeito “ao Verbo da vida”. Que quer dizer, então, “o Verbo da vida”? Westcott o traduz por, “a revelação da Vida” e entende que se refere em geral a “toda a mensagem de Deus ao homem, que fala da vida, ou, talvez, daquilo de que brota a vida, que, começando a ser proferida pelos profetas, foi afinal proclamada plenamente por um que era Seu Filho”.
Com isto Brooke concorda. C. H. Dodd particulariza mais e traduz a frase por, “o Evangelho”, desde que “a palavra da vida” em Fp 2:16 (embora sem o artigo definido no grego), “as palavras desta Vida” em At 5:20 e “as palavras da vida eterna” (Jo 6:68) são expressões semelhantes referentes ao Evangelho. Mas, em vista do sentido pessoal dado a “vida” no vers. 2, desejamos particularizar ainda mais e dizer que “a palavra da vida” (“o Verbo da vida”) significa “o evangelho de Cristo”. O que João proclama é Cristo, que é a Vida (2), e nesta proclamação concernente à palavra da vida ele dá ênfase ao Seu ser eterno e à Sua manifestação histórica (1, 3).
SÉRIE CULTURA BÍBLICA- As Epístolas de João Editora: Vida Nova, Pags 58-59